segunda-feira, 20 de abril de 2020

O DIREITO GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS. Análise sob a perspectiva dos atos antissindicais



O DIREITO GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS. Análise sob a perspectiva dos atos antissindicais

Alberto Emiliano de Oliveira Neto[1]



INTRODUÇÃO

Em São Paulo, em 1980, o jovem operário Tião (Carlos Alberto Riccelli) e sua namorada Maria (Bete Mendes) decidem casar-se ao saber que a moça está grávida. Ao mesmo tempo, eclode um movimento grevista que divide a categoria metalúrgica. Preocupado com o casamento e temendo perder o emprego, Tião fura a greve, entrando em conflito com o pai, Otávio (Gianfrancesco Guarnieri), um velho militante sindical que passou três anos na cadeia durante o regime militar (ELES NÃO USÃO BLACK-TIE – 1981 - Direção: Leon Hirszman).
Tião representa o trabalhador próprio do pós-fordismo, cujo descompromisso com os ideais coletivos decorre, em parte, do receio de ser vítima de atos antissindicais. A participação em assembleias, greves ou a mera filiação ao sindicato pode sujeitar o trabalhador a sérios problemas como estagnação na carreira ou a perda do emprego.  O receio de ser vítima de atos antissindicais inibe o trabalhador de desenvolver os princípios da solidariedade e da liberdade sindical.
Dando ênfase aos trabalhadores contratados pela Administração Pública, o reconhecimento da liberdade sindical pelo legislador constituinte não foi acompanhado da garantia da livre negociação coletiva, de fontes de financiamento dos sindicatos, bem como do livre exercício do direito de greve. A prática de atos antissindicais também está presente em um ambiente sujeito à observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (CF, art. 37).

LIBERDADE SINDICAL E A TUTELA FRENTE AOS ATOS ANTISSINDICAIS

A liberdade sindical, espécie do gênero liberdade de associação (Constituição Federal, artigos 5º, XVII, e 8º, caput) trilhou longa trajetória de lutas travadas pelos trabalhadores. É natural conceber a liberdade sindical como o bem jurídico maior que vincula toda a normatização da atividade sindical[2].  Sua elevação à condição de direito fundamental, materializada por declarações internacionais de direitos humanos, é fruto de um processo fortemente marcado pela busca do reconhecimento da fragilidade do trabalhador frente ao empregador. Definitivamente, a liberdade sindical integra o rol de direitos e princípios fundamentais dos trabalhadores.
É necessário estabelecer mecanismos que impeçam que a liberdade sindical seja obstaculizada por conta da atuação dos empregadores. Os atos antissindicais também dizem respeito à livre negociação coletiva. O abuso praticado pelo empregador, materializado pela ingerência indevida sobre os sindicatos profissionais ou práticas antissindicais acaba por inibir o desenvolvimento das entidades sindicais para a livre negociação coletiva.
A prática de atos antissindicais está atrelada ao modelo de relação de trabalho que se desenvolveu no sistema jurídico brasileiro, cuja liberdade sindical está sujeita a um sistema corporativista que persiste em contaminar as entranhas da representação associativa de trabalhadores e empregadores. Não menos grave, a intervenção do Poder Judiciário sobre o livre exercício do direito de greve por meio dos instrumentos processuais interdito proibitório e dissídio coletivo de greve. A tutela em face dos atos antissindicais não deve ser restringir aos dirigentes sindicais. Pelo contrário, deve abranger todos os trabalhadores, celetistas e estatutários.
A Organização Internacional do Trabalho - OIT ocupa papel de protagonista na tutela do trabalhador em face de atos antissindicais. Destaca-se a atuação do seu Comitê de Liberdade Sindical a respeito das práticas antissindicais. Segundo entendimento consolidado perante o Comitê, nenhuma pessoa, mesmo aquela que não integre os quadros da diretoria de determinada entidade sindical, poderá ser objeto de discriminação do emprego por causa de sua atividade ou de sua afiliação sindical presente ou passada, sendo importante a proibição e punição de todo os atos de discriminação com relação ao emprego.
A Convenção n. 87 da OIT (1948) assegura aos trabalhadores, sem distinção de qualquer espécie, o direito de constituírem, sem autorização prévia, organizações da sua escolha, assim como o de se filiarem nessas organizações, com a única condição de se conformarem com os respectivos estatutos[3]. Em complementação à Convenção n. 87, no ano de 1949 a OIT adotou a Convenção n. 98[4], cujo texto expressamente coíbe a adoção de práticas antissindicais por conta do exercício da atividade sindical pelos trabalhadores, bem como tutela as organizações sindicais em face de atos de ingerência atribuídos ao empregador e ao Estado:

Art. 1 — 1. Os trabalhadores deverão gozar de proteção adequada contra quaisquer atos atentatórios à liberdade sindical em matéria de emprego.
 2. Tal proteção deverá, particularmente, aplicar-se a atos destinados a:
 a) subordinar o emprego de um trabalhador à condição de não se filiar a um sindicato ou deixar de fazer parte de um sindicato;
 b) dispensar um trabalhador ou prejudicá-lo, por qualquer modo, em virtude de sua filiação a um sindicato ou de sua participação em atividades sindicais, fora das horas de trabalho ou com o consentimento do empregador, durante as mesmas horas.

A proteção contra atos de discriminação sindical deve abranger toda e qualquer medida discriminatória adotada durante a relação de trabalho. Em especial as medidas que envolvam transferências, preterição ou outros atos prejudiciais. Os atos de perseguição e intimidação perpetrados contra os trabalhadores por filiação ao sindicato ou participação em atividades sindicais lícitas, ainda que não impliquem necessariamente prejuízos ao emprego, podem desencorajar o trabalhador a filiar-se às organizações de sua escolha, resultado em violação ao direito de livre sindicalização do trabalhador.
Movimentos coletivos de reinvindicação são manifestação da liberdade sindical. O direito de greve, por exemplo, tem grande impacto na organização coletiva dos trabalhadores, já que representa estratégia extrema no embate frente ao empregador em busca de melhores condições de trabalho.

GREVE

O direito de greve está assegurado na Constituição Federal (art. 9º) a todos os trabalhadores. Trata-se da suspensão coletiva, temporária e pacífica do trabalho com o objetivo de alcançar melhores condições laborais. A greve também pode transcender a esfera do contrato de trabalho para atuar como mecanismo de protesto em face de outros empregadores ou do Estado, quando fundada em causa que possa despertar o espírito de solidariedade nos trabalhadores que decidem cruzar os braços.
Diante da assimetria entre empregador e empregado, a união dos trabalhadores em busca de melhores condições de trabalho apresenta-se como estratégica historicamente reconhecida. Os movimentos operários que ocorreram desde a Revolução Industrial são a demonstração empírica de que tão somente a união de forças pode equiparar trabalhadores ao poder do empregador com o objetivo de estabelecer uma negociação mais justa.
No sistema da proteção aos direitos humanos que se consolida após o término da Segunda Guerra a greve foi tema de preocupação dos Estados e das organizações internacionais, sendo assegurada em tratados internacionais, declarações e convenções, dos quais destacam-se o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - PIDESC; a Convenção n. 98 da OIT; e a Declaração Sociolaboral do MERCOSUL. Esse direito também foi assegurado em diversas Constituições ocidentais, destacando-se os textos da Itália, França, Espanha, Portugal, Argentina e Uruguai. 
No Brasil, tipificada no Código Penal da 1ª. República (1890), a greve, juntamente com o locaute, foi declarada pela Constituição Polaca de 1937 como recurso antissocial. A tipificação penal prossegue no Código Penal de 1940, mas em 1946, na busca de um regime democrático, a greve foi disciplinada pelo Decreto-lei n. 9.070/46 e, posteriormente, assegurada como direito fundamental pela Constituição daquele ano.
Anos mais tarde, outro retrocesso. Logo após o Golpe de 1964, nova lei de greve foi aprovada, tendo com base projeto elaborado ainda no governo João Goulart. A Lei n. 4.330, de 5 de junho de 1964, limitou consideravelmente o exercício do direito de greve, o que acabou se consolidando na Constituição de 1967, que expressamente proibiu a greve no serviço público e nas atividades essenciais, e na Lei de Segurança Nacional (Lei n. 6.220/78).  Não obstante o ressurgimento de um novo sindicalismo no final da década de 1970 no ABC paulista, tão somente com a redemocratização da País a greve voltou a ser plenamente tutelada pela Constituição:

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

§ 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.


Ainda que assegurado pela Constituição de 1988, o exercício do direito de greve sofre limitações. Seja pela Lei 7.783/89, sejam pelas decisões judiciais, a greve se burocratiza, não obstante tratar-se de direito que goza do status de garantia fundamental, cuja titularidade recai sobre os trabalhadores[5] para que o exercem a partir da deliberação em assembleia convocada pelo sindicato da categoria ou pelos próprios trabalhadores interessados.
Se cabe aos trabalhadores decidir sobre os interesses a serem defendidos, a greve, na maioria dos casos, destina-se à obtenção de melhores condições de trabalho. Mas o movimento também pode ter outras pautas, notadamente políticas e econômicas, relacionadas à tutela dos direitos humanos e a defesa de políticas públicas. Pode-se falar, também, na greve de solidariedade a outros trabalhadores.
O Comitê de Liberdade Sindical da OIT atribui validade às greves de solidariedade (§§ 486 e 492 – 495), mas faz ressalvas às greves puramente políticas, as quais não teriam amparo na liberdade sindical. Ainda assim, o Comitê reconhece o direito dos sindicatos em ampliar suas bandeiras na forma de “greves de protesto” (§ 481).
O Tribunal Superior do Trabalho - TST já reconheceu o direito de greve envolvendo questões que transcendem o contrato de trabalho. Quanto à greve de solidariedade, apura-se jurisprudência que reconhece sua validade, mas condicionada à não abusividade do outro movimento ao qual os trabalhadores resolveram aderir. Em relação à greve política, consolida-se o entendimento de que a prévia negociação, nos termos definidos pela lei de greve, é requisito para o exercício do direito, o que resultaria na impossibilidade de a empresa atender pautas que transcendem à relação jurídica estabelecida com os trabalhadores[6].
Cabe destacar que a lei de greve (Lei 7.783/89) sinaliza no sentido de tutelar o trabalhador em face de atos antissidincais, notadamente eventual constrangimento por parte do empregador, inclusive na forma de rescisão do contrato de trabalho, bem como na contratação de trabalhadores substitutos, salvo as hipóteses ressalvadas pela própria lei (arts. 6º e 7º). Segundo entendimento sumulado no Supremo Tribunal Federal - STF, a simples adesão à greve não constitui falta grave (Súmula 316).
Quanto aos efeitos do contrato de trabalho durante a paralização, o legislador estabelece a suspensão do contrato de trabalho durante o tempo que perdurar o movimento, devendo as obrigações decorrentes ser objeto da negociação coletiva, de decisão judicial ou ainda laudo arbitral (art. 7º).  Resta saber, contudo, quais são os efeitos dessa suspensão do contrato de trabalho. Há jurisprudência no sentido de que, diferente da interrupção do contrato de trabalho, a suspensão atinge as obrigações recíprocas dos dois polos da relação contratual. Para tanto, suspenso o trabalho, ficará o empregador desonerado de pagar os salários, independente da análise quanto à legalidade da greve.

RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. 1. DIREITO DE GREVE. DESCONTOS SALARIAIS EM RAZÃO DA ADESÃO AO MOVIMENTO GREVISTA. POSSIBILIDADE. CONHECIMENTO E PROVIMENTO. I. Esta Corte possui o entendimento no sentido de que, em regra, a greve suspende o contrato de trabalho, conforme o disposto no art. 7º, caput, da Lei nº 7.783/89. II. Desta forma, é possível o desconto da remuneração relativo aos dias de paralisação. III. Excetuam-se dessa regra os casos em que as partes negociarem de forma diversa ou, ainda, quando o movimento paredista for motivado por descumprimento de regras normativas ou legais pelo empregador, o que não é o caso dos autos. IV. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (TST - RR: 16652920135070017, Relator: Alexandre Luiz Ramos, Data de Julgamento: 26/06/2019, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/06/2019)

Com a devida vênia, não se trata da melhor interpretação do texto legal. Estabelece a lei de greve que os efeitos dessa suspensão serão objeto da negociação coletiva, da decisão judicial ou ainda do laudo arbitral, não havendo que se falar em desconto automático da remuneração.
O legislador constitucional faz menção à conduta abusiva e não à “greve abusiva”. O abuso de direito em todas as esferas, e não apenas na greve, é tema para a responsabilização. Com relação ao direito de greve, o legislador limitou indevidamente o direito de greve instituindo um conceito sem amparo na Constituição. Ao tornar abusiva a greve após decisão da Justiça do Trabalho, a lei introduziu uma limitação indevida ao direito em questão.
 A autonomia coletiva que se espera das organizações sindicais frente ao Estado diz respeito ao seu reconhecimento, à definição da negociação coletiva como processo normativo originário e à legitimação das faculdades de autotutela representadas pela greve. Com exceção de ações exorbitantes e violentas, os episódios de tensão e confronto pessoal na greve, por mais desagradáveis que possam ser, não podem ser criminalizados em um sistema jurídico que reconhece a greve como um direito (BAYLOS GRAU, 1999, p. 232)
O legislador também regulou o livre acesso e a integridade do estabelecimento do empregador, fundamento para a concessão de liminares em interditos proibitórios (Lei n. 7.783/89, art. 6º, § 3º). Ora, a greve representa o exercício de um direito fundamental e não a prática de um ilícito. Trata-se de movimento coletivo de paralisação das atividades, cujas manifestações dos trabalhadores podem ocorrer inclusive no local de trabalho. Não há que se admitir, portanto, a utilização desse instrumento processual destinado à tutela da posse em face do esbulho ou turbação. Juntamente com os interditos proibitórios, as liminares em dissídios coletivos de greve foi objeto de representação apresentada contra o Estado brasileiro perante a OIT, cuja manifestação foi no sentido de que o Brasil deveria primar pela autonomia e a liberdade sindical.
A greve, como visto, tem o status de direito fundamental juntamente com outros direitos sociais que integram o capítulo específico da Constituição Federal. Trata-se, portanto, de um grande avanço no sistema jurídico brasileiro, destacando-se o mérito do legislador constitucional em assegurar expressamente um direito próprio do regime democrático. As limitações estabelecidas pelo legislador ordinário, outrossim, demandam aos trabalhadores e às entidades sindicais a tomada de postura reivindicatória em prol da plena aplicação do direito nos moldes definidos pela Constituição.  
Semelhantemente, aos trabalhadores contratados pela Administração Pública também foi assegurado o direito de greve. A efetividade da Constituição, contudo, também tem sido limitada pelo Judiciário. O livre exercício do direito de greve pelos servidores públicos tem sido impacto pela jurisprudência que vem se formando no STF.

GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO

Decisão: O Tribunal, por maioria, nos termos do voto do Relator, conheceu do mandado de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber [...] (STF - MI: 708 DF, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 25/10/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-02 PP-00207 RTJ VOL-00207-02 PP-00471).

EMENTA Recurso extraordinário. [...] Fixada a seguinte tese de repercussão geral: A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público. [...]. (STF - RE: 693456 RJ - RIO DE JANEIRO, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 27/10/2016, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-238 19-10-2017)

Ao servidor público civil foi assegurado o direito à livre associação sindical. Já o exercício do direito de greve ficou condicionado à edição de “lei complementar”, sendo tal requisito posteriormente alterado para “lei específica” em decorrência da nova redação definida pela Emenda Constitucional n. 19/98 (CF, art. 37, VI e VII). A ausência de lei específica não impediu que os servidores públicos recorressem à suspensão coletiva de suas atividades como instrumento de reinvindicação. A busca por melhores condições de trabalho prevalece diante da omissão do legislador infraconstitucional que já perdura por mais de três décadas.
Com o objetivo de definir parâmetros de competência constitucional no âmbito da Justiça Federal e da Justiça Comum, o STF em mandado de injunção, por maioria, regulou o exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis. Sem prejuízo da competência do Congresso Nacional para regular a matéria, bem como considerada a evolução jurisprudencial do tema perante o Supremo e a omissão legislativa, determinou a Corte a aplicação da Lei n. 7.783/89 (lei de greve) aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis[7].
O Supremo, portanto, diante da ausência de lei específica, supriu a omissão legislativa para determinar a aplicação da lei editada para regular o atendimento das atividades essenciais, mas que na prática, como demonstrado, tem sido restritiva ao livre exercício do direito fundamental de greve.
Quanto à competência para julgar a matéria, estabelece o art. 114, incisos I a III, da Constituição Federal ser da competência da Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; as ações que envolvam o direito de greve; bem como as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores.
Em outras palavras, as questões envolvendo servidores públicos contratos da Administração Pública Direta, desde que contratos no regime celetista[8], são de competência da Justiça do Trabalho, inclusive disputas relacionadas ao exercício do direito de greve. Mas a interpretação da Constituição pelo Judiciário tem seus contornos. Tendo como fundamento a essencialidade das atividades desempenhadas, em relação ao direito de greve dos servidores públicos contratados no regime celetista, definiu-se em repercussão geral a competência a Justiça Comum e não a Justiça do Trabalho:

A essencialidade das atividades desempenhadas pelos servidores públicos conduz à aplicação da regra de competência firmada pelo Supremo Tribunal Federal no MI 670, mesmo em se tratando de servidores contratados pelo Estado sob o regime celetista. 4. Negado provimento ao recurso extraordinário e fixada a seguinte tese de repercussão geral: A Justiça Comum Federal ou Estadual é competente para julgar a abusividade de greve de servidores públicos celetistas da administração direta, autarquias e fundações de direito público. (STF - RE: 846854 SP - SÃO PAULO, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 01/08/2017, Tribunal Pleno)

Definida a competência da Justiça Comum, o Superior Tribunal de Justiça - STJ tem entendido que, ainda que reconhecida a legalidade de movimento grevista pelo servidor público, não há impedimento ao desconto dos dias parados[9]. No que diz respeito à forma de desconto dos valores, com fundamento no art. 46, § 1º, da Lei 8.112/90, tem se estabelecido o patamar mínimo para desconto mediante acordo com o sindicato[10].
Na mesma linha, o STF decidiu que a deflagração de greve por servidor público civil corresponde à suspensão do trabalho e, ainda que a greve não seja abusiva, como regra, a remuneração dos dias de paralisação não deve ser paga. O desconto somente não se realizará se a greve tiver sido provocada por atraso no pagamento aos servidores públicos civis ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão da relação funcional ou de trabalho, tais como aquelas em que o ente da administração ou o empregador tenha contribuído, mediante conduta recriminável, para que a greve ocorresse ou em que haja negociação sobre a compensação dos dias parados ou mesmo o parcelamento dos descontos. Em sede de repercussão geral, definiu o Supremo:

A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público[11].

Tanto na definição da competência da Justiça Comum, quanto na autorização para o desconto dos dias parados, a jurisprudência que se consolida sobre o direito de greve dos servidores públicos abre espaço para a prática de atos antissindicais pelo administrador público. Os servidores públicos, diante da possibilidade de declaração de ilicitude da greve e do desconto dos dias parados, sentem-se receosos de exercer um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal.

ATOS ANTISSINDICAIS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A livre associação e da negociação coletiva em relação aos servidores públicos é tema da Convenção n 151 da OIT (1978)[12]. Aos empregados públicos deve ser assegurada a devida proteção contra todo ato de discriminação sindical em relação com seu emprego, especialmente contra todo ato que tenha por objetivo subordinar o servidor funcionário público à condição de que não se filie a uma organização de empregados públicos ou a que deixe de ser membro dela; bem como despedir o empregado público, ou prejudicá-lo de qualquer outra forma, devido a sua filiação a uma organização sindical ou de sua participação em atividades sindicais (CONVENÇÃO n. 151, art. 4º).
A greve dos servidores públicos representa ato coletivo, fundado no princípio da solidariedade, que tem por finalidade pleitear melhores condições de trabalho fundadas em garantias constitucionais. A organização dos servidores públicos em sindicatos, ainda que inexistente o conflito capital x trabalho presente nas relações privadas, tem como pressuposto a conduta da Administração Pública em optar por pautas de austeridade em detrimento da observância de direitos básicos, tais como a reposição de perdas salarias e a garantia de um ambiente de trabalho seguro e livre da prática de assédio moral e sexual.
Os sindicatos dos servidores públicos têm reiteradamente protestado contra o abuso praticado na Administração Pública que, em descumprimento aos princípios que regem sua atuação (CF, art. 37), recorre à terceirização, à privatização e ao descumprimento da Constituição em prejuízo aos servidores públicos e à sociedade como um todo.   A disputa que se trava nos meios de comunicação sobre a qualidade dos serviços públicos passa pelas condições a que são submetidos os trabalhadores contratados pela Administração Pública, cujo desapreço pelos direitos sociais fundamentais pode ser apurar com certa frequência[13].
O reconhecimento da greve como direito fundamental decorre, dentre outros aspectos, da importância desse instrumento para o regime democrático. O processo de reinvindicação deve ser público e fundamentado. A sociedade deve ter pleno conhecimento do descumprimento pela Administração Pública a dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que fundamentam o processo de reinvindicação pelos servidores públicos.
A jurisprudência que se consolidou a respeito do direito de greve dos servidores públicos se apresenta com potencial risco à efetividade desse direito fundamental. A aplicação da Lei n. 7.783/89, a definição da competência material da Justiça Comum, bem como a autorização do desconto dos dias parados são campo propício para a prática de atos antissindicais pelo administrador público.
Quanto à lei de greve, como demonstrado, o legislador infraconstitucional não se limitou a regular a manutenção dos serviços essenciais. Foi além, limitou o exercício do direito fundamental, não obstante a Constituição ter outorgado aos trabalhadores o processo decisório (decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender). Em relação ao desconto dos dias parados, eventual ausência de negociação com o sindicato dá grande poder ao administrador público que poderá recorrer ao desconto do salário como estratégia antissindical voltada a coibir a adesão dos servidores ao movimento de greve. Imprescindível estabelecer um diálogo com o sindicato que representa os trabalhadores para fins de se delimitar eventual desconto dos dias parados, devendo-se dar preferência às compensações, cuja virtude consiste em afastar prejuízo pecuniário.

[...] O STJ possui entendimento no sentido de que, em se tratando de greve deflagrada por servidores públicos, é legítimo o desconto pela Administração em seus vencimentos pelos dias não trabalhados, ainda que reconhecida a legalidade do movimento grevista, tendo em vista a suspensão do contrato de trabalho, nos termos da Lei 8.112/1990, ressalvada a hipótese de acordo entre as partes para que haja compensação dos dias paralisados. [...] (STJ - REsp: 1766948 CE 2018/0233803-7, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 13/12/2018, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/02/2019) destacou-se

CONCLUSÃO

Os atos antissindicais inibem o efetivo exercício de direitos fundamentais sociais pelos trabalhadores. Necessários, portanto, a adoção de mecanismos jurídicos efetivos destinados à tutela do trabalhador, dentre os quais a vedação do abuso de direito (dispensa discriminatória) e a devida reparação em face de atos discriminatórios.
O direito de greve foi reconhecido pelo legislador constituinte aos trabalhadores em geral e aos trabalhadores contratados pela Administração Pública. Diante da ausência de lei específica, o STF acabou por definir a aplicação subsidiária da Lei n. 7.783/89 (lei de greve), a competência material da Justiça Comum e a possibilidade de desconto dos dias parados.
A limitação ao direito de greve em sido campo propício para a prática de atos antinssindicais. Ainda que inexistente o conflito capital x trabalho, a assimetria presente na relação entre Administração Pública e servidores públicos requer a devida tutela em face de atos antissindicais, sob pena dos direitos fundamentais, dentre os quais o direito de greve, não serem plenamente efetivados.
Quanto ao exercício do direito de greve e a possibilidade de desconto dos dias parados, necessário a criação de uma cultura que prestigie o diálogo social a ser executado mediante a negociação entre sindicato e Administração Pública, cuja plena efetivação dos princípios do art. 37 da Constituição requer a devida observância dos direitos sociais fundamentais de titularidade dos servidores públicos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AVILÉS, Antonio Ojeda. Compendio de Derecho Sindical. Madrid: Tecnos, 1998.
BAYLOS GRAU, Antonio. Direito do Trabalho: modelo para amar. São Paulo; LTr, 1999.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7a ed. São Paulo: LTr, 2008.
ERMIDA URIARTE, Oscar. A proteção contra os atos anti-sindicais. Tradução: Irany Ferrari. São Paulo: LTr, 1989.
GIUGNI, Gino. Direito sindical. São Paulo: LTr, 1991.
OLIVEIRA NETO, Alberto Emiliano. Contribuições sindicais. Modalidades de financiamento sindical e o princípio da liberdade sindical. São Paulo: LTr, 2010.
RAMOS FILHO, Wilson. Direito Capitalista do Trabalho. Histórias, mitos e perspectivas no Brasil. São Paulo, LTr, 2012.



[1] Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP. Doutorando pela UFPR. Procurador do Trabalho no Paraná. Professor em Cursos de Pós-Gradução.

[2] A liberdade sindical apresenta-se de forma horizontal e vertical, já que pode ser entendida tanto como direito subjetivo público de liberdade destinado a inibir o Estado de realizar atos que possam lesar o interesse do trabalhador e das próprias entidades sindicais (GIUGNI, 1991:47), como também direito fundamental dos trabalhadores, a ser observado pelo empregador, em agruparem-se estavelmente para participar da organização das relações produtivas (AVILÉS, 1998:34).

[3] O Estado brasileiro é estado-membro da OIT, razão pela qual deve observar a DECLARAÇÃO DA OIT SOBRE OS PRINCÍPIOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS NO TRABALHO (1998), cujo texto remete à liberdade sindical e ao reconhecimento efeito do direito de negociação coletiva. A não ratificação da Convenção n. 87 pelo Brasil não afasta sua incidência na execução do controle de convencionalidade que promove a liberdade sindical.

[4] Aprovada pelo Decreto Legislativo n. 49, de 27.8.52, do Congresso Nacional, e promulgada pelo Decreto n. 33.196, de 29.6.53. Enquanto a Convenção n. 87 estabeleceu a liberdade sindical frente ao Estado, a Convenção n. 98 se incumbiu de tutelá-la nas relações intersubjetivas (GIUGNI, 1991, pp. 47/48).
[5] A Lei n. 7.783/89 busca regular a greve como direito dos trabalhadores, o que afasta a possibilidade do Locaute.

[6] TST - RO: 106337120175030000, Relator: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 12/08/2019, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 22/08/2019
[7] STF - MI: 708 DF, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 25/10/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-02 PP-00207 RTJ VOL-00207-02 PP-00471.

[8] Ao julgar a ADI 3.395-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, o Supremo Tribunal Federal deferiu medida cautelar para suspender toda e qualquer interpretação dada ao art. 114, I, da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que inclua na competência da Justiça do Trabalho a apreciação de causas que sejam instauradas entre o poder público e os servidores a ele vinculados por relação estatutária.
[9] AgRg no REsp. 1.377.047/RN, Rel. Min. convocada DIVA MALERBI, DJe 31.3.2016; AgRg no REsp. 1.273.802/RS, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 2.8.2013; EDcl no REsp. 1.302.179/PB, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 4.6.2013; REsp. 1.245.056/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 22.5.2013.

[10] AgInt no REsp. 1.593.032/PB, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 20.9.2016; REsp. 1.459.679/SC, Rel. Min. OLINDO MENEZES, DJe 11.12.2015.
[11] RE 693456, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-238 DIVULG 18-10-2017 PUBLIC 19-10-2017.

[12] Aprovação pelo Decreto Legislativo n. 206, de 07.04.2010, do Congresso Nacional. Sua ratificação ocorreu em 15 de junho de 2010.
[13] Em greve iniciada pelos servidores do Município de Natal em dezembro de 2019, denunciou-se, além das perdas econômicas que os servidores são obrigados a trabalhar em condições precárias e até improvisadas, sem medicações básicas, sob assédio moral e ameaçados pela violência urbana que adentra as unidades cotidianamente. Disponível em: < https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2019/12/02/servidores-da-saude-comecam-greve-em-natal.ghtml>. Acesso em: 14 dez. 2019. Greve dos servidores estaduais da saúde em Minas Gerais em novembro de 2019.  Os servidores pediam ao governo de Minas isonomia no tratamento com o setor de segurança; a extensão da Gratificação por Atividade de Gestão da Saúde (Gage) – que hoje é concedida apenas à especialistas – para todos os servidores da saúde e a revogação do decreto das Organização Sociais, que segundo a categoria, passaria a gerência da Fundação Hospital do Estado de Minas Gerais (Fhemig) para as mãos da iniciativa privada. A categoria também solicitou reajuste salarial. Disponível em: < https://www.otempo.com.br/cidades/servidores-estaduais-da-saude-decidem-encerrar-greve-apos-oito-dias-1.2262032>. Acesso em: 14 dez. 2019.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Caminhoneiros, Petroleiros e a Greve Política 



No mês de maio de 2018 o Brasil se deparou com duas greves de âmbito nacional. A primeira, organizada por motoristas de caminhão, foi acusada de locaute, pois se entendeu que o preço do combustível e do pedágio eram pautas tipicamente patronais. Já a segunda paralisação, organizada pelos petroleiros, não chegou a se concretizar, tendo em vista decisão proferida pelo TST que, por entender tratar-se de greve política, impôs pesada multa contra o sindicato. 

 Propõe-se nesse espaço uma breve análise sobre o direito de greve e seus limites, destacando-se o risco da intervenção estatal sobre sua plena efetividade. 

Sim, trata-se de direito fundamental, assegurado na Constituição a todos os trabalhadores, configurado pela suspensão coletiva, temporária e pacífica do trabalho com o objetivo de alcançar melhores condições. Diante da assimetria entre capital e trabalho, a organização coletiva dos trabalhadores apresenta-se como estratégica historicamente reconhecida. Os movimentos operários que se apuram desde a Revolução Industrial são a demonstração empírica de que tão somente a união de forças pode equipará-los ao poder do empregador para então estabelecer uma negociação mais justa. 

 Ao vocábulo céltico gravo atribui-se o significado de areia, originando mais tarde a palavra francesa grève, que deu origem à Place de Grève, uma praia arenosa localizada às margens do Rio Sena, em frente à Ile De La Cité. Era o local de encontro dos trabalhadores por conta das embarcações que ali atracavam. Além da busca do trabalho, o local também se notabilizou por movimentos de reivindicação dos trabalhadores que cruzavam os braços até que fossem atendidos ou demitidos. Não demorou muito para que a expressão faire grève fosse associada à suspensão coletiva das atividades em busca de melhores condições. No Brasil, tipificada no Código Penal da 1ª. República, a greve, juntamente com o locaute, foi declarada recurso antissocial pela Constituição Polaca de 1937. A tipificação penal prossegue no Código Penal de 1940, mas em 1946, na busca de um regime democrático, a greve é disciplinada pelo Decreto-lei n. 9.070/46 e, posteriormente, assegurada como direito fundamental pela Constituição daquele ano. Anos mais tarde, outro retrocesso. 

Logo após o Golpe de 1964, nova lei de greve foi aprovada, tendo com base projeto anterior à derrubada de João Goulart. A Lei n. 4.330, de 5 de junho de 1964, limitou consideravelmente o exercício do direito de greve, o que acabou se consolidando na Constituição de 1967, que expressamente proibiu a greve no serviço público e nas atividades essenciais, sem contar a Lei de Segurança Nacional (Lei n. 6.220/78), fundamento para a condenação de muitos sindicalistas. 

 Não obstante o surgimento de um novo sindicalismo no final da década de 1970 no ABC paulista, tão somente com a redemocratização do País a greve foi amplamente assegurada pela Constituição: Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. § 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. § 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei. 

 Não obstante a garantia constitucional, o exercício do direito sofre limitações. Seja pela Lei n. 7.783/89, sejam pelas decisões judiciais, a greve se burocratiza. 

 Quanto aos caminhoneiros, com exceção do locaute e o abuso de direito, justifica-se a manifestação em busca de melhores condições de trabalho, inclusive nas hipóteses em que as reinvindicações se dirigem ao Governo, já que, por se tratarem de trabalhadores autônomos, não é possível estabelecer uma negociação com o empregador. A propósito, o movimento dos caminhoneiros, além do direito de greve, funda-se na garantia constitucional da livre manifestação, cujo entendimento consolidado perante o STF atribui sua instrumentalização na forma de assembleias, reuniões, marchas, passeatas ou encontros coletivos realizados em espaços públicos ou privados . A não organização desses trabalhadores em sindicatos formais, fruto da indevida contratação como autônomos (Lei 11.442/07), causou perplexidade nas instituições envolvidas. Se o Executivo encontrou grande dificuldade diante de um movimento tão fragmentado e desprovido de canais oficias de negociação, o Judiciário Trabalhista mostrou-se incapaz de atuar como interlocutor social, não obstante tratar-se de um movimento de trabalhadores. 

 Diferentemente, os petroleiros, por estarem organizados em entidades sindicais devidamente reconhecidas pelo Estado, padecem diante de decisão proferida em ação proposta pela União perante o TST. Nesse dissídio coletivo de greve, a Ministra relatora concedeu tutela antecipada, fundada no caráter aparentemente abusivo da greve e dos graves danos que dela poderiam advir, determinando aos sindicatos que se abstivessem de paralisar as atividades e de impedir o livre trânsito de bens e pessoas, sob pena de multa diária no importe de R$500.000,00, posteriormente majorada para R$2.000.000,00, tendo em vista notícia do descumprimento da liminar. 

 Com a devida vênia, além da obtenção de melhores condições de trabalho, a greve também pode apresentar outras pautas, notadamente políticas e econômicas relacionadas à tutela dos direitos humanos e à defesa de políticas públicas. Pode-se falar também na greve de solidariedade que tem como fundamento o apoio a outros trabalhadores. O TST já reconheceu o direito de greve envolvendo questões que transcendem o contrato de trabalho. 

Quanto à greve de solidariedade, apura-se jurisprudência que reconhece sua validade, mas condicionada à não abusividade do outro movimento.

Em relação à greve política, consolida-se o entendimento de que a prévia negociação é requisito para o exercício do direito. Na recente tentativa de greve dos petroleiros, entendeu a Ministra relatora tratar-se de pauta de cunho essencialmente político e de forte ingerência não apenas no poder diretivo da Petrobras, como em ações próprias de políticas públicas, que afetam todo o País e cuja solução não pode ser resolvida por pressão de uma categoria profissional. Consequentemente, diante da impossibilidade de o empregador atender pautas que transcendem o contrato de trabalho, a greve política não teria respaldo no ordenamento jurídico brasileiro. 

 Respeitado entendimento em contrário, essa limitação à greve política padece de inconstitucionalidade. A Constituição, quando assegura o direito de greve, atribui aos trabalhadores a prerrogativa de decidir sobre a oportunidade e sobre os interesses que fundamentam a paralisação. Por tanto, as limitações decorrentes da lei ou de decisão judicial devem ser pautadas nos parâmetros definidos pela Constituição, sob pena de resultar em grave afronta ao direito. O Comitê de Liberdade Sindical da OIT atribui validade às greves de solidariedade, mas faz ressalvas às greves puramente políticas, as quais não teriam amparo na liberdade sindical. 

Ainda assim, reconhece o direito dos sindicatos em ampliar suas bandeiras na forma de greves de protesto (§§ 481, 482, 486, 492 a 495). Destacam-se, igualmente, decisões do Comitê sobre a legitimidade da greve em busca de soluções para questões de política econômica e social e para problemas que se apresentam na empresa e que interessam diretamente aos trabalhadores; bem como questões de política econômica e social, que têm consequências imediatas para os trabalhadores em geral, especialmente em matéria de emprego, de proteção social e de nível de vida (§§ 479 e 480). 

Não se justifica a diferenciação do tratamento entre as greves dos caminhoneiros e dos petroleiros. A ausência de organização em sindicatos devidamente reconhecidos pelo Ministério do Trabalho não pode ser fundamento para obstaculizar o exercício de direito fundamental. Caso contrário, restará aos sindicatos abdicarem dos seus registros (STF, Súmula 677) e optarem pela organização em grupos de WhatsApp. 

 O direito de greve tem o status de direito fundamental juntamente com outros direitos sociais que integram o capítulo específico da Constituição. Trata-se, portanto, de um grande avanço no sistema jurídico brasileiro, destacando-se o mérito do legislador constitucional em assegurar expressamente um direito próprio das democracias modernas. Eventuais limitações pela lei o por decisões judicias, sem prejuízo da crítica no âmbito da academia, demandam aos trabalhadores e às entidades sindicais a tomada de postura reivindicatória em prol da plena efetivação do direito nos moldes definidos pela Constituição.

terça-feira, 26 de abril de 2016

ACORDOS MARCO GLOBAIS MULTILATERAIS. EMPODERAMENTE DOS TRABALHADORES OU MERA LEGITIMAÇÃO DA LEX MERCATORIA?[1]


RESUMO. Em um mundo globalizado, questiona-se o monopólio do Estado sobre a produção do direito e, consequentemente, sobre a norma de reconhecimento. Nesse contexto, a nova lex mercatoria representa o anseio das empresas transnacionais em auto regular suas relações jurídicas. No âmbito do mundo do trabalho, os sindicatos enfrentam dificuldade em se contrapor a um sistema de produção em rede que vai além dos limites territoriais dos Estados, o que dificulta a incidência da legislação social interna. Com base na Responsabilidade Social Empresarial, os Acordos Marcos Globais se apresentam como alternativa para garantir a observância dos elementos que integram o conceito de trabalho descente da OIT. Resta saber se efetivamente atuarão como instrumento de emancipação dos trabalhadores ou se serão mera legitimação do modelo capitalista.

ABSTRACT. In a globalized world, the state monopoly on the production of law is questioned and , consequently , on the rule of recognition. In this context , the new lex mercatoria is the desire of TNCs in self-regulation their relationships. Within the world of work, the unions face difficulty to counter a networked production system that goes beyond the boundaries of states, which avoid the incidence of domestic social law. Based on Corporate Social Responsibility, the global framework agreements are presented as an alternative to ensure compliance with the elements that integrate the concept of decent work of the ILO. It remains to be effectively act as workers emancipation instrument or whether they are mere legitimization of the capitalist model.

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AMG – Acordos Marco Globais
CF – Constituição Federal
EU –União Europeia
FMI – Fundo Monetário Internacional
ILO – Organização Internacional do Trabalho
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
NAFTA - North American Free Trade Agreement ou Tratado Norte-Americano de Livre Comércio
OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OEA – Organização dos Estados Americanos
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONU – Organização das Nações Unidas
RSE – Responsabilidade Social da Empresa
TNCs – Empresas transnacionais
TLC – Tratados de livre comércio
TJUE - Tribunal de Justiça da União Europeia



CRISE DO ESTADO MODERNO
O direito moderno construído a partir do conceito de Estado soberano por autores como Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu e Rousseau está em crise. Nesse modelo, o Estado concentra a produção do direito, notadamente das declarações de direitos individuais que buscam limitar a atuação do próprio Estado frente ao indivíduo.
Destacam-se análises que noticiam a presença do pluralismo jurídico, oposto ao monopólio estatal na produção do direito, que se desenvolve a partir da desconstrução do conceito de soberania estatal, podendo, inclusive, ser sustentando o deslocamento dessa soberania para uma espécie de Neofeudalismo, no qual diversas fontes do direito convivem simultaneamente dentre dos limites territoriais do Estado e fora dele[2].
Para HESPANHA a globalização econômica e comunicacional desvalorizaram o Estado soberano e o direito por ele produzido, ao passo em que propõem novas formas de organização política e de regulação que atravessam as fronteiras dos Estados, desafiando a ideia de soberania estatal. O pluralismo jurídico presente na contemporaneidade implica em uma mudança na teoria e na dogmática do direito, não sendo mais possível continuar a utilizar conceitos e fórmulas cunhados em um período de monopólio legislativo estatal (2014:20).
Igualmente, FERRAJOLI denuncia a crise do Estado nacional soberano em duas perspectivas. A primeira, classificada como “de cima”, remete à transferência maciça para sedes supra-estatais ou extra-estatais (Comunidade Europeia, OTAN e ONU) de grande parte das suas funções – defesa militar, controle da economia, política monetária, combate à criminalidade; e, na parte “de baixo”, a soberania estatal padece diante dos impulsos centrífugos e dos processos de desagregação interna que vêm sendo engatilhados pelo desenvolvimento da comunicação internacional, tornando sempre mais difícil e precário a garantia da unificação nacional e da pacificação interna (2002:48/49).
Se o Estado moderno contava com o monopólio da regra de reconhecimento enquanto manifestação de sua soberania[3], no modelo atual o Estado perde o controle sobre as fontes materiais do direito. A globalização, dentre outras consequências, desestabiliza essa função estatal no que tange às fontes do direito. A livre circulação do capital permite que empresas estendam sua estrutura para além dos seus territórios de origem. Como consequência, essas empresas transnacionais passam a instituir um sistema de normas próprias, independentes das normas estatais. Essas grandes corporações, portanto, disputam com o Estado o monopólio da produção do direito, sob a justificativa de uma suposta incapacidade estatal em apresentar respostas aos desafios de uma economia global.
Sustenta-se, inclusive, a presença de uma crise econômica mundial para o qual o direito estatal, interno e externo, não seria capaz de apresentar soluções. Noticia-se, a esse respeito, certa distância (gap) entre a regulação transnacional privada e a legislação dos Estados. Como solução, o direito transnacional privado seria capaz de adaptar-se rapidamente às mudanças do mercado, garantindo a participação dos diversos atores e desenvolvendo regulações para questões altamente técnicas e complexas, próprias de uma dimensão global (GARCÍA-MUÑOZ ALHAMBRA (2015, pp. 202)[4].
A globalização, portanto, resulta na diminuição drástica da capacidade do Estado em regular a economia. Nem mesmo as declarações de direitos humanos firmados pelos Estados se mostram capazes de reverter esse quadro de desmantelamento das garantias do estado social. Essa revitalização do mercado e do capitalismo global resultam em ambiente propício para o surgimento da empresa transnacional como protagonista da globalização. O papel desse novo sujeito, que aparece desvinculado do território sobre o qual se projeta a normatividade dos sistemas jurídicos estatais é muito decisivo na hora de valorar as transformações nesses sistemas, notadamente quanto à crise presente na legislação trabalhista e na efetividade dessa legislação (BAYLOS, 2005:105).

NOVA LEX MERCATORIA
Esse processo oriundo da globalização permitiu a consolidação das empresas para além das fronteiras dos estados. O surgimento das corporações transnacionais, dotadas da capacidade de auto regulação, é característica marcante desse novo cenário, cujos desafios se apresentam a todos nós, notadamente no que tange aos direitos humanos e fundamentais, inclusive os de natureza social, tais como o meio ambiente, as relações de consumo e as relações de trabalho. 
BAYLOS denuncia a empresa transnacional por estar fora dos campos normativos típicos, sejam eles estatais ou internacionais. Para tanto, recorre a dois conceitos para definir esse quadro de protagonismos desempenhado por tais atores. Primeiramente, fala em “desterritorialização”, que diz respeito à baixa incidência da legislação estatal laboral decorrente da fragmentação dos diversos espaços de regulação das relações de trabalho que incidem sobre as unidades dessas empresas espalhadas pelo mundo. Cita também o conceito de “deslocalização” referente à possibilidade das empresas multinacionais em se mudarem de um país para o outro em busca de custos de produção menores proporcionados pelo valor atribuído à compra e venda da força de trabalho (2005:105 e 106).
O dono da norma, em consequência, não seria mais o Estado, mas sim o mercado, via lex mercadoria. Para tanto, em busca de um direito uniforme, as empresas transnacionais recorrem a um nova lex mercatoria formada por um conjunto de regras uniformes destinadas a reger o comércio internacional em contraposição ao direito estatal. Esse direito sem fronteiras, nascido da pratica constante do comércio, inspira-se no jus mercatorum do século XI, fonte do direito comercial[5].
A nova lex mercatoria desenvolveu um extrato de normas constitucionais que positivaram a propriedade privada, a liberdade contratual, a competição e os direitos humanos como política pública transnacional. Essas constituições globais corporativas apresentam dois objetivos distintos: libertar as corporações transnacionais da regulação estatal, assim como estabelecer estruturas estatais para fornecer segurança jurídica às suas transações (TEUBNER, 2012, Kindle Edition, Pos. 3962, 3970 e 3979 de 10491).
O mercado global, portanto, contribuiu para o surgimento dessa nova lex mercatoria, cujo conteúdo se apresenta pela substituição do direito soberano do Estado por um sistema jurídico específico para as corporações multinacionais, formado, dentre outros, por acordos de livre comércio e laudos emitidos por câmaras arbitrais internacionais. Tais instrumentos são dotados de coercibilidade, pois o descumprimento pode resultar em sanções às empresas e aos próprios Estados signatários. O acesso ao crédito oriundo de bancos internacionais, por exemplo, passa pelo cumprimento da nova lex mercatoria pelo Estados, os quais, mitigados em sua soberania, deverão estabelecer instrumentos de direito interno para garantir os interesses das empresas transnacionais.
A propósito, um dos aspectos mais marcantes da nova lex mercatoria é o surgimento de uma jurisdição privada realizada por tribunais de arbitragem, internacionais e nacionais. As grandes corporações, mediante cláusulas estabelecidas em acordos de livre comércio, estabelecem que os conflitos serão submetidos a um árbitro privado, afastando-se a presença da jurisdição estatal na resolução do conflito.
O poder das empresas transnacionais acaba por afrontar os direitos humanos, presentes em declarações internacionais[6], e os direitos fundamentais positivados nos sistemas jurídicos dos Estados soberanos. Mas as grandes corporações não abdicam totalmente do Estado, ao contrário, convocam-no para ser garantidor de seus interesses comerciais. Influenciados por princípios do neoliberalismo, os Estados flexibilizam direitos fundamentais e, ao mesmo tempo, adaptam a legislação nacional para fins de garantir e plena eficácia da lex mercatoria[7].

RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL
As mazelas da globalização consolidada a partir de princípios neoliberais não ficaram impunes. Organizações não governamentais, dentre as quais os sindicatos, vêm desempenhando papel fundamental na denúncia e no combate às violações aos direitos humanos praticados pelos Estados e pelas empresas transnacionais. O crescimento desse processo de contestação acabou por repercutir na imagem dessas empresas frente aos consumidores e à opinião pública de forma geral.
Como alternativa necessária à preservação de sua imagem, empresas transnacionais passam a instituir códigos de conduta e acordos marco globais - AMGs. Esse processo de auto regulação, edificada a partir da ideia da Responsabilidade Social Empresarial – RSE, abrange temas como meio ambiente, relações de consumo e relação de trabalho, sempre com o objetivo de melhor a imagem das empresas frente aos seus consumidores.
Ao tratar das relações de trabalho, os códigos de conduta apresentam-se como um reconhecimento unilateral de um imperativo moral por parte das empresas transnacionais em manter em todos os lugares de sua atuação um conjunto de standards justos de trabalho, tendo como base o conceito de trabalho descente da OIT[8] (BAYLOS, 2005:109). Tal conceito passa a ser introduzido nos códigos de conduta e nos AMGs, como será visto logo a seguir. Demonstra, nesse aspecto, certa força da OIT em vincular empresas transnacionais, as quais, pela estrutura do direito internacional privado, não estariam diretamente vinculadas às convenções da OIT assinadas e ratificadas pelos Estados membros.

CÓDIGOS DE CONDUTA
Os códigos de conduta, também conhecidos como acordos voluntários, são elaborados pelas empresas transnacionais para, de um lado, adequar suas condutas aos patamares definidos pelas declarações internacionais de direitos humanos, e, ao mesmo tempo, fugir da incidência de normas estatais versando sobre tal conteúdo.
TEUBNER sustenta que as empresas transnacionais estariam sujeitas a códigos públicos e códigos privados. Os primeiros seriam acordos internacionais versando sobre condições de trabalho, qualidade de produtos, políticas ambientais, proteção do consumidor e direitos humanos (ONU, OIT e OCDE). Já os códigos privados, fruto da pressão de organizações não governamentais da sociedade civil, seriam standards referentes aos mesmos temas abordadas pelos códigos públicos, mas agora sobre o viés da voluntariedade das empresas transnacionais, responsáveis pela edição de tais códigos. Cabe destacar que os códigos públicos não são vinculativos em relação às empresas, enquanto que os códigos de conduta privados se apresentam como tentativas das corporações em evitar a regulação estatal ou ainda mera estratégia de relações públicas que não incluem qualquer alteração efetiva de comportamento. Esse ciclo de expansão da autonomia coletiva seria fruto de questionamentos por conta das grandes desigualdades que produz na sociedade. Em resposta, as empresas transnacionais recorrem aos códigos de conduta voluntários, que acabam por restringir suas liberdades em nome de uma responsabilidade social (TEUBNER, 2012, Kindle Edition, Pos. 3909, 3919, 3998, 4017 e 4035 de 10491).
A sofisticação dos códigos de conduta é também apurada por TEUBNER quando identifica em seus conteúdos a presença de normas primárias e secundárias, semelhantemente ao positivismo jurídico desenvolvido por HART. Enquanto as regras primárias definem obrigações a serem seguidas pelas empresas, as regras secundárias dizem respeito à identificação, interpretação, emenda e competências para a criação e delegação das referidas regras primárias. Os códigos de conduta, portanto, apresentam elementos típicos de uma constituição: regulações atinentes ao estabelecimento e prática de tomada de decisão organizacional (regras procedimentais da corporação) e a definição dos limites do sistema constituído por direitos fundamentais de indivíduos e instituições face à corporação (TEUBNER, 2012, Kindle Edition, Pos. 3909, 3919, 3998, 4017 e 4035 de 10491).
Além das empresas multinacionais e suas filiais, tais códigos de conduta também podem vincular as demais empresas da cadeia produtiva, especialmente fornecedores e empresas prestadoras de serviço por conta do processo de externalização (outsourcing), muito presente nesse mundo globalizado.
Não obstante a aproximação com o discurso dos direitos humanos, os códigos de conduta apresentam os seguintes obstáculos: 1) são desprovidos de sanção estatal, pois instituídos no âmbito das empresas transnacionais[9]; 2) a fiscalização sobre seu cumprimento é feita mediante auditorias privadas, custeadas pelas próprias empresas auditadas[10]; 3) atendem as necessidades das empresas transnacionais e não dos trabalhadores, cujos representantes são excluídos do processo de elaboração e fiscalização; 4) as demais empresas que integram a cadeia produtiva estão vinculadas a tais códigos, mas nem sempre estendem suas normas aos trabalhadores contratados diretamente e indiretamente (terceirização).
Os códigos de conduta podem ser classificados como soft law, pois desprovidos da coercibilidade estatal, ao contrário da regras estatais, estas classificadas como hard law. TEUBNER, contudo, denuncia a inversão da relação hard/soft law nos códigos de conduta privados. Segundo o autor, agora as normas estatais passam a ser classificadas como soft law, enquanto os códigos de conduta emergem como novo hard law:
[...] o direito organizacional intracorporativo isola-se do direito estatal [...] produzem sua própria validade (os códigos privados) a partir da ligação entre normas primárias e secundárias no reino do ordenamento privado. Constituem um sistema não estatal fechado de validade jurídica, por sua vez, hierarquicamente fechado (TEUBNER, 2012, Kindle Edition, Pos. 4143, 4153 e 4164 de 10491).
Desenvolve-se, portanto, dois espaços jurídicos independentes, um direito interno coercitivo das corporações, de um lado, e um conjunto de recomendações normativas de conduta regulado pelo Estado, de outro. Para explicar a relação entre esses modelos, TEUBNER recorre às expressões hiperciclo, que se aplica aos códigos de conduta voluntários, os quais permanecem fechados à interferência externa, não obstante sua vinculação sobre as empresas que os criam, sobre seus fornecedores e as demais empresas que integram a cadeia produtiva; e ultraciclo que diz respeito à influência dos códigos públicos sobre os códigos privados, exclusivamente sugestiva e sem caráter vinculante:
De uma forma completamente diversa, esses códigos privados mutuamente interligados estão conectados a códigos públicos. Para esse tipo de conexão, é apropriado não o modelo de hiperciclo, mas sim o de ultraciclo. Ainda que códigos públicos (OIT, OCDE, ONU e EU) definam certas obrigações politicamente desejadas e estabeleçam a fronteira entre atividades permitidas e banidas, eles são apenas recomendações informais e meros apelos para uma determinada conduta. Eles são também direito válido, porém de uma forma paradoxal: são direito em vigor, mas sem sanções jurídicas (TEUBNER, 2012, Kindle Edition, Pos. 4219 de 10491). (destacou-se)
BAYLOS rejeita a vinculação jurídica e a exigibilidade das decisões e das regras elaboradas de forma autônoma pelas empresas transnacionais em matéria de relações de trabalho, pois desprovidos de mecanismos de coerção e de um marco supranacional que obrigue as empresas a assumir tais regras:
Ello implica que dichos estándares de trabajo deben ser aceptados de manera voluntaria por las corporaciones transnacionales, lo que se opone frontalmente a cualquier capacidad regulatoria internacional que asegure de una forma vinculante esta normativa de igualación de las condiciones básicas laborales de acceso al mercado de las empresas (2005:110).

ACORDOS MARCO GLOBAIS MULTILATERAIS
Como demonstrado, os códigos de conduta se apresentam como estratégia de marketing das empresas transnacionais, bem como medida destinada a evitar a incidência de normas estatais. Igualmente, caracterizam-se pela unilateralidade e pela voluntariedade. Tratam-se, portanto, de diretrizes fixadas pelas empresas transnacionais sem a participação das entidades sindicais.
A autonomia coletiva que se atribui aos sindicatos resulta na capacidade de produzir normas que regulam as relações entre trabalhadores e empregadores. Trata-se, portanto, do reconhecimento de tal atividade desenvolvida pelos sindicatos como fonte material do Direito do Trabalho. Discute-se sobre os limites territoriais da autonomia coletiva, alegando-se que essa não poderia ser liminar às fronteiras do Estado em que os sindicatos se estabelecem. Os sindicatos, titulares dessa capacidade de produzir direito material, devem ampliar sua atuação para fins de estabelecer acordos com empresas transnacionais com efeitos em todas as suas unidades e, eventualmente, sobre as demais empresas que integram a cadeia produtiva.
Os AMGs, firmados entre sindicatos e empresas transnacionais, são muito frequentes no bloco econômico europeu. Conhecidos como global framework agreements ou international framework agreements, têm como finalidade estabelecer padrões mínimos de proteção ao trabalho em todos os países que a empresa transnacional estenda seus tentáculos.
Tais acordos se apresentam como instrumentos abertos à participação dos representantes dos trabalhadores, ao contrário dos códigos de conduta. São, portanto, acordos entre as empresas multinacionais e os representantes dos trabalhadores, normalmente na forma de Federações Sindicais Globais, mas também podem envolver sindicatos locais e comitês de empresas europeus ou globais. Trata-se, portanto, de uma evolução da RSE, que começa com códigos de conduta unilaterais, passando para instrumentos negociados, com o objetivo de promover e aplicar os standards laborais fundamentais definidos pela OIT (GARCÍA-MUÑOZ ALHAMBRA, 2015: pp. 207/208).
Para BAYLOS, os AMGs representam certa evolução do processo de auto regulamentação das empresas transnacionais, pois além de garantir a participação dos sindicatos, vão além dos standards mínimos fixados pela OIT, ao passo em que têm tratado de questões relacionadas a direitos trabalhistas básicos (trabalho descente), salários e jornada, além da saúde dos trabalhadores:
Junto a ello, resulta muy frecuente que estos Acuerdos Marco incluyan prescripciones concretas relativas al tema de salarios y de jornada de trabajo. Normalmente se garantiza mediante el pacto colectivo que los trabajadores serán remunerados de acuerdo con lo dispuesto en la normativa estatal y en los convênios colectivos del país en el que la empresa se haya establecido. Esta cláusula de retribución mínima en función del territorio en el que se localice la sede de la empresa puede ser completada con un compromiso de garantizar un salario mínimo de cierre o con la aplicación de los Convenios de la OIT sobre salários [...]Un tercer grupo de derechos [...] Se trata de la materia de la salud laboral [...] es más abundante la remisión de los Acuerdos Marco a la normativa de la OIT sobre el particular, de forma que las empresas se comprometen a aplicar dentro de su espacio normativo los Convenios 155 y 167 OIT (BAYLOS, 2005:114/115).
Semelhante aos códigos de conduta, os AMGs são desprovidos de coercibilidade estatal, sem prejuízo da construção de estratégias tais como o Alien Torts Claim Act - ATCA, que permite que as empresas multinacionais sejam demandas em cortes norte americanas por violações aos direitos humanos; bem como a responsabilização perante o Judiciário dos países em que estão localizadas suas sedes (BAYLOS, 2005:124/131).
Um dos mais conhecidos AMGs surgiu a partir do desmoronamento de um prédio em Bangaldesh no ano de 2013 que resultou em 1100 trabalhadores mortos e em mais de 2000 feridos. Por conta de pressões internacionais oriundas de sindicatos e associações não governamentais, foram firmados dois acordos, o primeiro com empresas europeias e o segundo com empresas norte americanas e canadenses.
O primeiro acordo, firmado em 13 de maio de 2013, intitulado Accord on Fire and Building Safety in Balgladesh, foi edificado a partir do dogma da RSE, tendo sido assinado por mais de 150 empresas, contando ainda com a participação de sindicato globais, sindicados locais e a OIT. Destaca-se de seu conteúdo a instituição de ferramentas de fiscalização das condições de trabalho das empresas que estão na base cadeia de produção, bem como a possibilidade de recurso a cortes de arbitragem internacional na hipótese de não cumprimento das suas cláusulas[11].  
O segundo acordo, intitulado The Alliance For Bangladesh Worker Safety, Inc, apresenta-se como mera declaração de intenções pelas empresas signatárias e, portanto, desprovido de coercibilidade, inclusive em cortes de arbitragem. Trata-se de algo semelhante a um código de conduta editado pelas próprias empresas multinacionais, também com base nos princípios da RSE, com o objetivo de garantir melhores condições de trabalho aos trabalhadores que atuam na base da cadeia produtiva[12].

DESENVOLVIMENTO DO DIREITO TRANSNACIONAL DO TRABALHO OU LEGITIMAÇÃO DA LEX MERCATORIA?
Consideradas as dificuldades de coercibilidade estatal destacadas em estudos de Direito Internacional Privado[13], TEUBNER defende a atuação de instituições não jurídicas. Elementos de pressão oriundos da sociedade civil, notadamente ONGs, sindicatos e associações de consumidores são essenciais para alterar os conteúdos dos códigos de conduta, tendo como parâmetros aqueles definidos pelos códigos públicos para a tutela universal dos direitos humanos:
Essas conexões um tanto quanto indiretas entre ambos os códigos destacam que a autoconstitucionalização das corporações de fato manifesta-se não em razão de motivos intrínsecos de voluntariedade ou tampouco por força dos mecanismos de sanção do direito estatal, mas devido a um processo caótico de tradução influenciado por diferentes pressões de aprendizado (TEUBNER, 2012, Kindle Edition, Pos. 4311 de 10491).
Quando do trágico acidente do Rana Plaza em Bangladesh, sob a égide da RSE, muitas empresas multinacionais já contavam com AMGs. A tragédia, portanto, colocou a mostra as limitações de tais acordos. Não obstante seus aspectos positivos, os AMGs evidenciam as carências da RSE e das formas privadas de regulação transnacional, carências essas, segundo a doutrina, fruto da incapacidade das empresas transnacionais de fiscalizar a aplicação dos AMGs em toda a cadeia produtiva; bem como pela própria limitação das ações individuais das empresas multinacionais, inclusive quando líderes de mercado, para afrontar individualmente a regulação global do mercado; ou ainda perder competividade para empresas que não integram os AMGs, como foi o caso das empresas norte-americanas e canadenses (GARCÍA-MUÑOZ ALHAMBRA, 2015: pp. 208/209).
Se não bastasse, os acordos de Bangladesh não tratam de questões relacionadas à redução da jornada de trabalho e ao aumento dos salários dos trabalhadores contratados pelas empresas prestadoras de serviço. Não se pretende, pelos signatários, uma equiparação salarial, por exemplo, com os respectivos padrões europeus e americanos. Na verdade, tais acordos atuam como instrumentos de combate ao dumping social e, em consequência, asseguram a igualdade de concorrência entre as empresas signatárias, não obstante a garantia da segurança dos trabalhadores, o que não deixa de ser um aspecto positivo, mas insuficiente para combater as mazelas decorrentes do processo de terceirização presente no mundo globalizado, que acaba sendo legitimada em tais acordos.
Os acordos globais multilaterais se apresentam como instrumento de grande visibilidade para a RSE das empresas multinacionais. Por conta da participação dos sindicatos e de organizações não governamentais, tais acordos ganham legitimidade perante toda a comunidade local e internacional, o que beneficia certamente a imagem dessas grandes empresas frente aos seus consumidores.
Não obstante a importância para a evolução da proteção da saúde e da segurança dos trabalhadores contratados pelas empresas que estão na base da cadeia produtiva, os AMGs, como foi o caso do acordo de Bangladesh, impõem aos sindicatos participantes o ônus de legitimar o processo de fragmentação da produção em prol do interesse das grandes marcas. Certamente, a contratação de empresas localizadas em países pobres tem como objetivo principal a redução do custo da produção por conta dos baixos salários praticados em países como Bangladesh, Índia, China, Coreia do Sul, Vietnã, Camboja e outros.  Da mesma forma, aumenta-se a mais valia sobre o trabalhador que despende sua força de trabalho em prol de alguns trocados, produzindo peças que serão comercializados em lojas europeias por preços muito superiores ao custo da produção.
Esse parece ser o paradoxo dos acordos globais multilaterais. De um lado, permite aos sindicatos atuarem de forma global, tutelando trabalhadores para além de determinado território. Contudo, ao atuarem de forma global, legitimam o sistema de produção do mundo globalizado, notadamente marcado pela terceirização, por baixos salários e elevadas jornadas de trabalho.
Resta questionar quais são as alternativas dos sindicatos frente às empresas transnacionais e do sistema de produção em rede, notadamente horizontalizada entre vários países. Os AMGs talvez sejam instrumentos de emancipação, de efetivação de direitos dos trabalhadores a partir do conceito de trabalho descente que acaba por integrar tais instrumentos, semelhantemente ao que ocorre com os códigos de conduta. Pode-se vislumbrar, portanto, os AMGs e os códigos de conduta como espaços de luta.
Como alternativas para um novo modelo, dentre as quais a necessária revisão desse modelo da globalização excludente, pode-se recorrer à normativa existente sobre direitos humanos (ONU, OEA, OCDE e OIT) que se apresentam na forma de pactos, declarações e normas internacionais sobre direitos humanos, sem prejuízo instituição de novas normas para regular a atividade das grandes corporações em matéria de direitos humanos, buscando-se a efetivação de instrumentos jurídicos de responsabilização de todos integrantes da cadeia produtiva.

REFERÊNCIAS
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GARCÍA-MUÑOZ ALHAMBRA, M.A. Acuerdos Marco Globales Multilaterales: Una nueva expresión colectiva del Derecho Transnacional del Trabajo. In: Revista de Derecho Social. V.70, abr.-jun., 2015, p. 199-216.
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SUPIOT, A. O espírito de Filadelfia. A justiça social diante do mercado total. Porto Alegre: Editora Sulina, 2014.
TEUBNER, G. Autoconstitucionalização de corporações transnacionais: Sobre a conexão entre os códigos de conduta corporativos (Corporate Codes of Conduct) privados e estatais. Tradução de Ivear Hartmann. Revisão de Germano Schwartz. In: SCHWARTZ, G. (Org.). Juridicização das esferas e fragmentação do direito na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.



[1] ALBERTO EMILIANO DE OLIVEIRA NETO. PESQUISADOR, MESTRE EM DIREITO DO TRABALHO PELA PUC/SP e PROCURADOR DO TRABALHO.
[2] Noticia SUPIOT o renascimento do feudalismo, ao passo que [...] o Direito que está nascendo no contexto da globalização está impregnado de formas passadas, e que a sociedade em rede não assinala a vitória do contrato sobre a lei ou da sociedade civil sobre o Estado, mas sim o ressurgimento de instalações institucionais anteriores à edificação dos Estados soberanos (2014:92/93).
[3] HART classifica o direito internacional como sistema jurídico dotado tão somente de normas primárias. Consequentemente, não disporia de [...] regras secundárias de alteração e de julgamento que criem um poder legislativo e tribunais, como ainda lhe falta(ria) uma regra de reconhecimento unificadora que especifique as “fontes” do direito e que estabeleça critérios gerais de identificação das suas regras (2005:230).
[4] Defendendo a construção de uma nova lex mercatoria, MATIAS, João Luis Nogueira. “Lex Mercatoria” e Contratos Comerciais internacionais. Disponível em http://www.egov.ufsc.br:8080/portal/sites/default/files/anexos/22174-22175-1-PB.pdf, acessado em 02/04/16.
[5] Lex mercatoria enquanto conjunto de regras, princípios e costumes oriundos da prática comercial, sem vinculação a qualquer direito nacional. Segundo João Luis Nogueira Matias: “Uma nova ordem de relações econômicas internacionais exige uma nova ordem jurídica, que se poderia chamar de nova Lex Mercatória. Esta é chamada a ter um papel de Direito Comum do Comércio Internacional, não podendo, portanto, ser de natureza costumeira, como o Artigo jus mercatorum, mas deve ser de natureza legislativa, pondo, assim, os Estados diante de suas responsabilidades e obrigações, influindo numa questão de maior importância para a vida internacional”. (“Lex Mercatoria” e Contratos Comerciais internacionais. Disponível em http://www.egov.ufsc.br:8080/portal/sites/default/files/anexos/22174-22175-1-PB.pdf, acessado em 02/04/16). “Essa sociedade anônima de vendedores e compradores o comércio internacional, pela reiterada prática de atos e contratos, aliada a uma vontade específica para a criação de regras próprias a sua atividade, acabaria por gerar um direito distinto dos direitos nacionais, a que se denominaria de uma nova lex mercatoria.” (HUCK, M. H. Lex Mercatoria - Horizonte e Fronteira Do Comercio Internacional. Disponível em http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67175/69785, acessado em 02/04/16).
[6] A ONU objetiva estabelecer um instrumento internacional que vincule as empresa multinacionais. A ideia começou com um discurso de Salvador Allende numa das sessões da ONU nos anos 70. Naquela Assembleia, em Genebra, Allende denunciou violações contra pessoas e meio ambiente praticadas por empresas multinacionais. Em julho de 2014, mediante resolução aprovada pelo Conselho dos Direitos Humanos da ONU, incumbiu-se a um grupo de trabalho presidido pela embaixatriz do Equador Maria Fernanda Garcez Espinosa a redação de um tratado destinado a vincular as corporações muiltinacionais, in http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/os-bastidores-das-negociacoes-na-onu-para-criar-um-tratado-que-puna-empresas-que-violem-direitos-humanos.html, acessado em 21/03/16. Não menos importante, o projeto Global Compact, desenvolvido pela ONU desde 1999 com o objetivo de vincular as empresas transnacionais em 10 objetivos estabelecidos pelo projeto, destacando-se os direitos socais e o meio ambiente. A OIT, por sua vez, tem buscado vincular a conduta das empresas transnacionais aos standards mínimos que integram o conceito de trabalho descente. Destaca-se, como exemplo, a Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social, de 1977 (emendada no ano 2000); bem como a Declaração de Princípios Fundamentais no Trabalho, de 1988, que pretende difundir o conceito de trabalho descente. Sem pretender esgotar o tema, menciona-se também as diretrizes da OCDE sobre trabalho, construídas a partir dos referidos standards definidos pela OIT para o trabalho decente.
[7] O TJUE tem decidido em prol da lex mercatoria em detrimento das declarações internacionais de direitos humanos. No caso Viking, julgado a 11 de Dezembro 2007, o TJUE julgou contra o interesse do sindicato ao permitir que o empregador seguisse convenção coletiva firmada em outro país para poder pagar menores salários aos trabalhadores. No caso Laval, julgado em 18 de Dezembro de 2007, o TJUE, com fundamento na liberdade de estabelecimento e na livre prestação de serviços, direitos reconhecidos pelos artigos 43 e 49 do Tratado de Roma, desobrigaram a empresa de negociar com o sindicato. In http://pt.mondediplo.com/spip.php?article455#nb2, acessado em 22/03/16.
[8] O conceito de trabalho descente é definido pela OIT a partir de quatro objetivos estratégicos: a) o respeito aos direitos no trabalho, em especial aqueles definidos como fundamentais pela Declaração Relativa aos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho e seu seguimento adotada em 1998 (liberdade sindical e negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; a abolição efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação); b) a promoção do emprego produtivo e de qualidade; c) a extensão da proteção social; d) o fortalecimento do diálogo social. Disponível em http://www.oitbrasil.org.br/content/o-que-e-trabalho-decente, acessado em 02/04/16.
[9] No sistema jurídico brasileiro os regulamentos internos das empresas são fonte material do direito do trabalho e, portanto, vinculam o empregador.
[10] Os códigos de conduta, além dos tratados de direitos humanos, também se relacionam com certificações expedidas por entidades supostamente independentes. Não obstante, por serem expedidas por entidades privadas, sem a participação estatal, tais certificações correm o risco de não garantir efetiva observância dos direitos humanos e dos direitos fundamentais pelas empresas transnacionais.
[11] http://bangladeshaccord.org/, acessado em 27/03/16.
[13] A esse respeito MILLS, A. Rethinking Jurisdiction In International Law. The British Yearbook of International Law (2014), Vol. 84 No. 1, 187–239; MILL, A., The Confluence of Public and Private International Law Justice, Pluralism and Subsidiarity in the International Constitutional Ordering of Private Law - From positivism to constitutionalism pp. 74-114, disponível em http://dx.doi.org/10.1017/CBO9780511609855.003.